No ano em que não houve bônus da televisão para cobrir orçamentos estourados, foi a venda de atletas que segurou as pontas dos 24 maiores times – para o azar do torcedor
RODRIGO CAPELO*
18/05/2018 - 06h02 - Atualizado 18/05/2018 06h02
Primeiro a má notícia: o futebol brasileiro perdeu capacidade financeira em 2017. O faturamento combinado dos 24 maiores clubes do país – os 20 que jogaram a primeira divisão naquela temporada e os quatro que subiram da segunda divisão e a disputarão em 2018 – caiu 1,1% e ficou em R$ 5,07 bilhões. É como a evolução do PIB para a economia brasileira. Quando o percentual é negativo em relação ao ano anterior, aí está um bom motivo para acender o sinal de alerta e tentar entender o que está havendo de errado com o esporte. Mas a gente também dá uma boa notícia: o futebol brasileiro caiu menos do que deveria ter caído em 2017. É o que há para se contentar.
O futebol por aqui só consegue crescer, mesmo, quando assina novos contratos de televisão. E isso aconteceu em 2016. Dirigentes de praticamente todo o país se sentaram à mesa com a TV Globo e assinaram contratos que vigorarão entre 2019 e 2024. Por esses contratos, eles receberam luvas, prêmios por suas assinaturas. Foram R$ 921 milhões despejados naquela temporada nos cofres de times de Norte a Sul. Esta receita não é ordinária. Ela não se repete. Por isso o que se podia esperar do futebol brasileiro era uma piora considerável, em seu PIB, no momento em que 2017 chegasse. Uma vez que a queda de 1,1% no faturamento dos clubes representa apenas R$ 56 milhões a menos, percebe-se que o mercado conseguiu se virar para substituir – ainda que parcialmente – o valor das luvas.
O futebol dá sinais de que, assim como a economia brasileira, seus indicadores econômicos começaram a reagir na temporada de 2017. O valor obtido com patrocínios aumentou de um ano para o outro. Embora representem ainda uma quantia pequena dentro do total, 13%, o dinheiro que foi conseguido de empresas que investiram nas camisas dos times foi maior do que em 2016. É natural que esse movimento leve tempo até pegar no tranco. Além do lento avanço na gestão dos clubes, a economia do país também tem levado mais tempo do que se desejava para voltar a subir. Empresas que faturam menos gastam menos com publicidade, e aí o futebol, que não é um investimento seguro, acaba perdendo para outras propagandas.
Lógica similar se aplica aos torcedores. A receita com bilheterias também é pequena dentro do total, com apenas 16% dos R$ 5,07 bilhões, mas ao menos voltou a crescer no ano passado. Tal qual a economia tolhe as empresas de seu potencial de investimento em publicidade, a crise que se arrasta no país mantém milhões de desempregados, que por sua vez precisam gastar dinheiro com coisas mais importantes do que futebol, como a sobrevivência. Na ala dos sócios torcedores e sócios patrimoniais, deu na mesma. Pequenos dentro do total, com 15%, mas crescentes em relação ao tanto que eles geraram aos clubes em 2016, os associados estão aumentando gradativamente o apoio financeiro que dão aos seus times.
Todos esses fatores mostram como o futebol brasileiro se esquivou de uma queda ainda maior, por consequência da ausência de novas luvas da televisão, mas nenhum deles é tão crescente quanto as transferências de jogadores. Com 18% sobre o faturamento combinado de todos os 24 clubes, as vendas de atletas botaram R$ 271 milhões a mais nos cofres dos clubes do que na temporada anterior. Não que aí exista motivo para festejar. Os jogadores que se mandaram para outros times, muitos deles do exterior, provavelmente fariam com que o nível técnico visto em campo fosse melhor do que realmente foi. Mas pelo menos entrou dinheiro.
Ah, as dívidas
Temos mais más notícias. Uma das piores coisas que pode acontecer com um cidadão, financeiramente falando, é ele perder parte de seu salário e ver a quantidade de dívidas em seu nome aumentar na praça. A consequência disso é que, no ano seguinte, este sujeito precisará apertar ainda mais o seu orçamento para tentar dar conta de mais dívidas com menos receitas. O futebol brasileiro passa por uma situação similar. Ao passo que seu faturamento caiu 1,1% entre 2016 e 2017, o seu endividamento aumentou 4%. Foi de R$ 6,77 bilhões devidos pelos 24 maiores clubes do país para R$ 7,01 bilhões.
Quase a metade disso, ou 40%, tem o governo como credor. São impostos que os clubes deixaram de pagar ao longo dos últimos anos e que só depois de 2015, com a instituição do Profut, um programa de refinanciamento das dívidas fiscais, começaram a ser quitados. Em teoria, é um tipo menos grave. Os valores foram equacionados em longos 20 anos e não acarretam nenhum tipo de cobrança judicial além do que foi combinado. Desde que, claro, suas parcelas sejam pagas cordialmente. Se os clubes pagarem em dia o que prometeram ao governo, esses pouco 40% preocuparão no curto prazo.
As outras partes da dívida do futebol são mais preocupantes. A bancária possui juros mais elevados do que qualquer outra. É mais perigosa, também, porque geralmente os empréstimos tomados com instituições financeiras têm receitas dadas como garantia. O clube pega a grana emprestada e entrega o contrato da televisão como garantia de que ele vai pagar. Se não pagar, o bicho pega. De uma maneira geral, a situação foi aliviada na temporada passada em relação a este endividamento. As dívidas bancárias caíram em R$ 129 milhões e hoje representam 23% do total em aberto. Mas há riscos.
Ora, se as dívidas fiscais estão no mesmo patamar e as bancárias caíram, mas o endividamento geral subiu, alguém se deu mal nesta história. Esses alguéns são jogadores de futebol que lutam na Justiça para receber salários atrasados. As dívidas trabalhistas dos clubes aumentaram em R$ 103 milhões no decorrer de 2017 e hoje representam 21%. Outros credores, como clubes que venderam atletas mas nunca viram a cor do dinheiro, também tiveram seu endividamento agravado em mais R$ 78 milhões e passaram a corresponder por 16% do total. Essas duas dívidas também oferecem riscos consideráveis, visto que tanto ex-atletas quanto times adversários conseguem bloqueios e penhoras de verbas na Justiça.
A parte mais chata, aqui, é que o endividamento dos clubes na realidade é maior do que os balanços financeiros permitem medir. Tem cartola que dribla o analista financeiro do seguinte modo. Existe uma cobrança sendo feita na Justiça por tal credor contra o clube. A decisão em primeira instância já lhe deu razão, mas o dirigente ainda acha que consegue reverter o resultado com seus recursos. O valor desta dívida não é contabilizado no balanço financeiro com o pretexto de que a perda no processo é apenas "possível", e não "provável". Acontece. No futebol e nas empresas. Conforme as ações judiciais vão sendo perdidas, a dívida admitida em balanço vai aumentando. Na verdade, ela sempre existiu. Só não tinha sido confessada. E aí fica a dúvida: qual será a dívida para valer?
*Com infografia de Giovana Tarakdjian.