Por Simon Kuper | Do Financial Times
Cristiano Ronaldo, de novo com a Bola
de Ouro: acredita, e nisso está certo, que se tornou quem é graças a muito
trabalho - incluindo banheira com gelo às 5 horas da manhã
Outra noite, estava parado do lado de fora do túnel
de acesso dos jogadores ao campo, antes de um jogo do Paris Saint-Germain,
quando Zlatan Ibrahimovic passou por mim. Foi intimidante. De perto, o atacante
sueco parecia um super-herói: 1,95 metro de altura, um peitoral do tamanho do
de Pamela Anderson e o resplendor de alguém que fez seus exercícios, teve
alimentação saudável e dormiu a sesta todos os dias durante anos.
Os grandes jogadores de hoje têm uma forma
incomparavelmente melhor que a de seus antecessores. A perfeição, entretanto,
vai além da parte física. Estes são os melhores tempos em toda a história do
futebol para se ser uma estrela. O jogo foi reestruturado para seu benefício.
As estrelas de futebol costumavam ser como estrelas
de rock. Eram perseguidas por tietes. A expectativa era de que o corpo
aguentasse até os 30 anos. Não ganhavam fortunas: Eusébio (que morreu no dia 5)
ganhava cerca de £ 4 mil (R$ 15,5 mil) no Benfica em 1969. E a maioria vivia em
grande estilo. Afinal, ser um gênio significava a falta de necessidade de se
esforçar muito. Ferenc Puskás, nos anos 1950, era gordo. George Best, nos 60,
alcóolatra. Johan Cruyff, nos 70, fumante inveterado. E Diego Maradona, nos 80,
usuário pesado de cocaína. As tentações do estrelato eram imponentes; sucumbir
era quase um objetivo.
Grandes jogadores têm
uma forma incomparavelmente melhor que a de seus antecessores, mas a perfeição
vai além da parte física
Best, depois de 1968, e Maradona e Pelé, durante a
maior parte de suas carreiras, jogaram com companheiros de time pouco notáveis.
Maradona, no Napoli, muitas vezes recebia os passes nas costas - e, ainda
assim, gentilmente, aplaudia. Poucos aspiravam a brilhar semanalmente. Pelé
estava sempre percorrendo o planeta para participar de jogos de exibição
insignificantes. A Argentina dos anos 80, durante o auge de Maradona, ganhou
apenas 35% de seus jogos, menos do que em qualquer outra década, segundo
cálculos do economista especializado em esportes Stefan Szymanski. Maradona
revertia esses números em Copas do Mundo, mas raramente entre elas.
Quando as estrelas do passado tentavam se
sobressair, eram caçadas em campo. Em 1966, Pelé saiu mancando da Copa do
Mundo; em 1983, o tornozelo de Maradona foi triturado pelo zagueiro Andoni
Goikoetxea ("o açougueiro de Bilbao"); e, em 1992, a carreira de
Marco van Basten chegou ao fim aos seus 28 anos, após uma contusão.
O que transformou a sorte das estrelas foi a
televisão. Antes da década de 90, poucos jogos eram televisionados. Um torcedor
europeu dificilmente viu Pelé jogar mais de dez vezes em sua carreira, seja na
TV ou em estádios. Rupert Murdoch e Silvio Berlusconi criaram canais de TV com
base no futebol. De repente, o futebol precisava tornar-se mais atraente. As
estrelas agora haviam se transformado em conteúdo para as TVs e, portanto,
precisavam ser protegidas. As autoridades do futebol adotaram linha dura contra
as faltas e proibiram o carrinho por trás. Hoje, Lionel Messi ganha falta quase
sempre que é tocado.
Pelé se emociona com a homenagem da
Fifa por uma vida dedicada ao futebol: sempre disposto a participar de jogos de
exibição sem maior importância para sua carreira
A TV tornou os clubes mais ricos. Alguns poucos
clubes ricos passaram a monopolizar os melhores jogadores. Messi chegou no
Barcelona aos 13 anos e passou toda sua carreira lá, ao lado de outros
jogadores excelentes. Fica evidente quanto isso ajuda seu desempenho quando se
veem as dificuldades que encontra para atuar com jogadores de menor categoria
na seleção Argentina.
Os grandes clubes fizeram um novo acordo com as
estrelas: vamos lhes pagar fortunas se vocês viverem como profissionais.
Ibrahimovic diz que, quando se tem o talento dele, o sucesso é uma questão de
escolha: simplesmente é preciso decidir esforçar-se. Hoje, as estrelas se
esforçam.
O exemplo definitivo é Cristiano Ronaldo (eleito o
melhor jogador do mundo na segunda-feira). Jogadores "de explosão",
com alta proporção de fibras musculares de rápida contração, tendem a ter
carreiras mais curtas. Isso aconteceu com estrelas dos anos 90, como Ronaldo e
Michael Owen. Cristiano, no entanto, por meio de dietas e exercícios
constantes, conseguiu fortalecer-se. Às vezes, depois de voltar de jogos no
exterior, ele fica em banheiras com gelo às 5 horas da manhã. É considerado
arrogante por acreditar, acertadamente, que se tornou o que é graças a muito
trabalho. Atualmente, uma campanha com pôsteres de 19 metros de altura com o
jogador em cueca domina as ruas de Madri. Não é uma campanha publicitária que
alguém sequer tenha imaginado para Maradona.
Diego Maradona: astro de uma época em
que ser um gênio significava a falta de necessidade de se esforçar muito - com
licença também para entregar-se a vícios
Os jogadores de hoje raramente se machucam. São
equipados para produzir genialidades duas vezes por semana quase para sempre.
Cristiano tem mais de um gol por jogo de média há quase cinco anos no Real
Madrid, maior índice na história do futebol espanhol. Em 2012, Messi marcou um
recorde de 91 gols.
A grandeza das estrelas atuais pode parecer algo
automático. O técnico do Arsenal, Arsène Wenger, disse que Messi parece ser um
jogador de PlayStation. Algo se perdeu em meio a todo esse processo. Maradona
oferecia o espetáculo da luta do jogador contra seu próprio "eu".
Messi oferece apenas genialidades perfeitamente profissionais, como se Claude
Monet tivesse assinado um contrato para produzir obras-primas duas vezes por
semana e, então, realmente as produzisse.
Messi
é um gênio como Monet, mas a genialidade de Messi é mais fácil de apreciar para
a maioria das pessoas. Ele permite aos assinantes de TVs pagas em todo o mundo
vislumbrar flashes de algo superior. Nas palavras de Nico Scheepmaker, biógrafo
de Cruyff, nossas vidas hoje são mais ricas e mais prazerosas do que teriam
sido sem Messi, Cristiano Ronaldo e Ibrahimovic. Devemos essa felicidade, em
grande parte, a Murdoch e Berlusconi.
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