“Aqui nós nos orgulhamos da guerra que perdemos”, é uma das primeiras frases que ouço ao chegar em Porto Alegre. E ela não vem sem contexto.
No trajeto entre o Aeroporto Internacional Salgado Filho e o hotel, cruzo com o Parque da Harmonia, local onde ocorre um acampamento tradicional em que se celebra o aniversário da Revolução Farroupilha, iniciada em 20 de setembro, um dia mais emblemático no Rio Grande do Sul até mesmo do que o 7 de setembro.
A data marca o início do conflito ocorrido entre 1835 e 1845, que foi a mais longa revolta da história do país. Os estancieiros e charqueadores lutaram contra o governo por razões políticas e econômicas em uma guerra civil, que acabou com a derrota farroupilha e um tratado de paz. Não há um número aproximado das inúmeras mortes que ocorreram.
A ligação do gaúcho com sua história é inegável e perceptível até mesmo para quem visita o estado pela primeira vez. Uma relação que extrapola costumes - como o popular chimarrão - e reflete no comportamento coletivo da sociedade nos temas mais diversos. A política, a cultura... e o futebol.
A revista inglesa FourFourTwo coloca Grêmio x Internacional como a oitava maior rivalidade do mundo, e a maior do futebol brasileiro. O que justifica?
Mensurar aspectos intangíveis, como a paixão por um esporte, é sempre uma tarefa polêmica e aberta a muitas discussões, relativizações e divergências. De qualquer forma, argumentos não faltam para por o Gre-Nal no topo do futebol nacional.
Primeiramente, há uma característica histórica a ser levada em conta. Ainda que o passado do Rio Grande do Sul não entre em campo, ele não deixa de fazer parte da personalidade em geral do gaúcho.
Cesar Guazzelli, professor titular de história da Universidade Federal do Rio Grande Sul e criador da disciplina História Social do Futebol, destaca que a política do bipartidarismo sempre existiu e sempre foi extremada no estado, desde a independência.
No século 19, havia o partido legalista (a favor do império) e o farroupilha, que era contra. Depois, houve republicanos x federalistas. “No resto do Brasil, a assim chamada República Velha, as oligarquias, os grupos dominantes, eram sempre unidos em torno dos seus interesses. No Rio Grande do Sul havia uma cisão grande”, conta.
“Quando o (Getúlio) Vargas sai do governo no final da Segunda Guerra Mundial, e constrói uma política muito interessante, onde cria dois partidos, o PSD, dos grupos dominantes, digamos assim, e o PTB, o Partido Trabalhista, esses dois partidos estavam quase sempre em aliança e tinham um domínio praticamente em todo o país, menos no Rio Grande do Sul, onde tinham aqueles que eram favoráveis ao PTB e contra o PTB”, diz Guazzelli, que aponta que esta característica seguiu presente mesmo depois.
Tais raízes floresceriam e deixariam suas marcas posteriormente.
“Em uma cerimônia oficial da Universidade Federal, uma formatura, por exemplo, começa com hino nacional e termina com hino do Rio Grande do Sul. Para eu entrar no Palácio do Governo, eu não posso ir com uma roupa que uso normalmente, tem que ser com terno, gravata, algo assim. Mas eu posso entrar vestido de gaúcho. São coisas próprias do Rio Grande do Sul e que são reproduzidas”, afirma o professor.
Neste cenário, estes aspectos foram refletidos também no futebol.
“Na minha opinião, a rivalidade Gre-Nal reproduz uma característica que é do estado. Para mim, essa grande característica do assim chamado futebol gaúcho é a rivalidade. As pessoas dizem das defesas fortes, que se valoriza mais o futebol força do que o futebol arte, e acho que isso é uma característica secundária.”
Esta conexão com o futebol regional é evidenciada em números. Um levantamento feito pelo Ibope com o jornal Lance! em 2014 apontou que o Rio Grande do Sul é o mais fechado quanto a clubes de outros estados. Grêmio e Internacional contam juntos com 79% da torcida local.
Outra marca do futebol gaúcho é a semelhança de suas torcidas com as argentinas e uruguaias, como a presença de determinados instrumentos, tipos de faixas e cantos. Até mesmo há certa ligação entre tricolores e colorados com algumas ‘hinchadas’.
Os países vizinhos, inclusive, também são conhecidos por seu perfil patriótico, algo que, ao que parece, se manifesta também no futebol. Na já mencionada lista da FourFourTwo, Nacional-URU x Peñarol figura na quarta colocação, enquanto que Boca Juniors x River Plate está no topo da lista. “Temos uma série de atributos históricos, políticos, etc., que são derivados dessa presença fronteiriça. Quando se vive em uma região fronteiriça, os hábitos tendem a ser semelhantes, porque as pessoas estão vivendo nos mesmos espaços, estão disputando até os mesmos espaços”, declara Guazzelli.
Para os presidentes de Grêmio e Internacional, Romildo Bolzan Júnior e Marcelo Medeiros, respectivamente, a característica histórica do estado se reflete, sim, no futebol. Romildo até apresentou um outro argumento – veja nos vídeos abaixo.
Romildo cita migração gaúcha no Brasil, analisa rivalidade e diz que Gre-Nal é 'completamente diferente'
Marcelo Medeiros: 'Porto Alegre tem 3 grandes patrimônios. O Inter, o Grêmio e o Gre-Nal'
Ou seja, o duelo das 18h (de Brasília) deste domingo na Arena do Grêmio, pelo Campeonato Brasileiro, não é apenas o Gre-Nal. É mais um capítulo da história do Rio Grande do Sul.
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