Ex-jogadores alertam para os riscos que o fim da carreira representa para a mente e apostam: Petkovic foi craque até nesta hora Carlos Eduardo Mansur Assim como os passos de sua carreira, Petkovic parece ter planejado meticulosamente o que seria de sua vida pós-futebol. Empresário no Brasil e na sérvia, investidor, presidente da Câmara de Comércio Brasil Sérvia, embaixador do Flamengo. Quando acordar amanhã e não for mais jogador de futebol, ele poderá ter vários sentimentos, mas provavelmente escapará do mais perigoso: o vazio. Ex-jogadores relembram o quanto as primeiras horas do pós-futebol são difíceis, o quanto é dura a experiência de não sentir mais a adrenalina da competição e a ovação das multidões. Ainda mais para quem defendeu clubes de massa como Flamengo e Corinthians, rivais de hoje. Mas estes ex-craques veem no sérvio um exemplo de final bem planejado. Em entrevista à revista “Placar” deste mês, Casagrande, ex-rubro-negro e corintiano, atribui, em parte, a intensificação de sua dependência das drogas à forma de encarar o fim da carreira. Ele diz que “se ferrou” ao tentar preencher, através do vício, o vazio deixado pelo fim da trajetória como jogador de futebol. Ocupação no dia seguinte Uma realidade um pouco distinta viveu Sócrates, ídolo no Corinthians e com passagem pelo Flamengo, já mais perto do fim da carreira. Embora soubesse que a medicina seria seu caminho natural, o “doutor” admite que amanhecer sem ser mais um jogador não é simples. E vê vários fatores como variáveis na reação à nova vida. — O sujeito, quando acaba a carreira, não está perdendo um emprego. Ele perde o trabalho, a profissão. Não é simples. E o mais complicado é se reenquadrar no mercado de trabalho. Você imagina o cara deixar de ser ídolo no futebol para virar pedreiro? Então, tudo depende muito de sua formação familiar, da possibilidade que o jogador tenha tido de se qualificar para a vida. E a gente sabe que a maioria não teve isso — disse Sócrates. Assim que decidiu não jogar mais, Sócrates tinha a noção de que, de imediato, não poderia começar a exercer a medicina. Antes de montar sua clínica, fez entre quatro e cinco anos de residência num hospital. Algo como um começar de novo. Ele admite que a experiência de não ter mais a idolatria ao seu redor, apesar de seguidas manifestações de carinho de torcedores saudosos, é traumática. Afinal, por volta dos 30 e poucos anos, em qualquer outra profissão, o homem estaria no auge de sua capacidade produtiva: — O fundamental é entender que o futebol é um meio virtual. Quando acaba, aquele personagem deixa de existir. Longevidade no auge Sócrates, por causa de lesões e da queda natural para um atleta, não era o mesmo quando decidiu parar de jogar. No entanto, há casos de longevidade em alto nível quase o tempo todo. E, neste aspecto, poucos no futebol brasileiro se equivalem a Júnior. Jogou até os 39 anos e, um ano antes da aposentadoria, comandou o Flamengo na conquista de um título brasileiro. — Eu tive um treino diferenciado no final e achei formas de render em campo. Era uma diversão, um prazer, não queria mais provar nada a ninguém. Até que, num treino, o Marcelinho Carioca partiu três metros atrás de mim e chegou dois na frente. Para quem tinha voltado ao Brasil para jogar um ano, pelo meu filho... Fiquei quatro e ganhando títulos — recorda Júnior que, chamado para a seleção em 1991, poderia ter adiado o final em nome de mais uma Copa do Mundo. — Até que, uma vez, num ônibus, indo para um jogo em Wembley, Parreira e Zagallo disseram que na Copa de 94 nenhum outro país teria um jogador de 40 anos. Achei uma desculpa absurda, uma forma de não me ter no grupo. Poderia ter ido, se não como titular, ao menos ajudando o grupo. Júnior achou na praia a cura para o seu “vazio”. — Você precisa se preparar, ter algo para te preencher. As primeiras semanas são complicadas. Eu tive o beach soccer que, se não era profissional, tinha uma dose de compromisso. E vieram trabalhos como treinador e logo os comentários na TV. Isso ajudou — disse Júnior. Andrade, por sua vez, jogou enquanto o corpo suportou. Ainda que tivesse que terminar uma carreira de cinco títulos brasileiros como jogador, conquistados por Flamengo e Vasco, defendendo clubes como Internacional de Lages, Desportiva, Bacabal e Barreira. — Foram experiências novas, vi o outro lado do futebol. Não tenho problemas com isso, mas convivia com muito improviso. Você toma esta decisão por um pouco de tudo: o prazer de jogar e até por ainda precisar de alguma coisa na parte financeira — admite ele, que jogou até os 38 anos. — Só que, eu jogava, o joelho inchava. Eu treinava, o joelho inchava. Antes que falassem que eu estava roubando, entendi o sinal do corpo. |
Jornal: O GLOBO | Autor: |
Editoria: Esportes | Tamanho: 854 palavras |
Edição: 1 | Página: 4 |
Coluna: | Seção: |
Caderno: Caderno de Esportes |
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