sábado, 22 de setembro de 2012

‘Nós não privilegiamos quem já está privilegiado’


Entrevista Andrew Parsons

Dirigente critica quem não entende o potencial dos paralímpicos como ferramenta de marketing
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Andrew Parsons, presidente da CPB. Menos dinheiro do que o COB e sete vezes mais ouros em Londres com os atletas paralímpicos
Foto: CPB / Divulgação
Andrew Parsons, presidente da CPB. Menos dinheiro do que o COB e sete vezes mais ouros em Londres com os atletas paralímpicosCPB / DIVULGAÇÃO
RIO - Com política diferente do COB, muito menos dinheiro e sete vezes mais ouros em Londres, presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), Andrew Parsons, dá fatia maior de verbas da Lei Piva a entidades com menos recursos e critica o que chama de miopia da iniciativa privada brasileira por não entender potencial dos paralímpicos como ferrramenta de marketing e responsabilidade social
As Paralimpíadas dão 60% mais medalhas do que os Olimpíadas. Porém, o Brasil paralímpico ganhou sete vezes mais ouros (21 contra 3) do que o Brasil olímpico, mesmo recebendo 15% de recursos da Lei Piva, contra 85% do Comitê Olímpico Brasileiro. Como foi possível?
A gente não compete com o COB. Fazemos um planejamento detalhado das modalidades. Sentamos com todas as confederações e oferecemos nosso modelo a todas, pois o CPB também é confederação para cinco modalidades: atletismo, natação, esgrima, halterofilismo e tiro esportivo. A gente sabe o dia a dia de uma confederação. Isso nos dá uma visão boa. Criamos programas, como o Programa Ouro, seleções permanentes, a estratégia de buscar municípios e estados para fazer parcerias, para manter nossa elite de atletas bem atendida.
Mas o COB tem alguns desses projetos também...
Como a gente não tem tanto dinheiro, procura aproveitar cada centavo. Temos um conceito chamado “Teia de Aranha”, em que cada programa faz interação com outro. Não apenas no alto rendimento. Temos a Paralimpíada escolar, clubes escolares, propiciando que a criança portadora de deficiência tenha atividade física. Há mais de 300 clubes paralímpicos no Brasil todo. Temos vários caminhos, pois há pessoas que adquirem uma lesão e nem eram esportistas, mas vêm o esporte como forma de inserção na sociedade.
Há quem diga que o nível é muito inferior e que qualquer um bem preparado ganharia medalha paralímpica. Como o senhor analisa isso?
Quem pensa assim faz uma avaliação totalmente equivocada. Existe o preconceito, mas, felizmente está diminuindo. A vitória do Alan (Fonteles) sobre o (Oscar) Pistorius, que disputou as Olimpíadas e compete no atletismo convencional, ajuda a quebrar essa mentalidade de que “tem pouca concorrência e muita medalha”. Tem muita medalha, mas é para todo mundo. E nós ficamos em sétimo. Outros, como França, Canadá, Espanha, Japão, potências no esporte, ficaram para trás.
Quanto o CPB terá recebido este ano da Lei Piva?
Projetamos algo como R$ 27 milhões para 22 confederações.
O COB projetou R$ 145 milhões, abaixo do que recebeu em 2011 (R$ 170 milhões), mas sempre prevê abaixo. O CPB faz o mesmo?
Não projetamos para baixo. Ano passado, recebemos R$ 25 milhões.
O CPB usa também a Lei de Incentivo ao Esporte, e o COB, não. Por quê?
Usamos muito. Para o vôlei sentado pegamos seis projetos, amarrando até 2016, com uma concessionária de rodovias, praticamente dobrando o orçamento deles. Assim, o feminino se classificou pela primeira vez na história para as Paralimpíadas e ficou em quinto, a uma vitória da disputa por medalhas.
O critério do COB para a Lei Piva é meritocracia. Assim, o vôlei, que tem o maior patrocínio olímpico do país, ainda ganha a maior fatia da lei, enquanto há 13 confederações sem patrocínio. Por que o CPB tem um critério diferente?
A gente costuma cortar na pele. Quem tem os piores percentuais da Lei no CPB? Atletismo e natação. A gente entende que atletismo e natação têm potencial e condições de buscar recursos na iniciativa privada e estatais. A Caixa é patrocinadora das entidades em que o CPB atua como confederação. Hoje, atletismo e natação paralímpicas ganham menos para fortalecer outras que não têm patrocínio. Nós não privilegiamos quem já está privilegiado.
Pelo resultado em Londres, atletismo e natação não tiveram prejuízo...
O importante é planejar e trabalhar. No atletismo, até Pequim, tínhamos apenas quatro atletas brasileiros que haviam conquistado, pelo menos, uma medalha de ouro: Luiz Cláudio Pereira, Lucas Prado, o Antônio Delfino e a Terezinha Guilhermina. Só nesta Paralimpíada de Londres, tivemos três novos: o Felipe, o Yohansson e o Alan Fonteles. Quase dobramos o número de vencedores do atletismo na história.
Quadro de medalhas importa?
É evidente. Mas não é o mais importante. Nosso primeiro objetivo é universalizar a prática esportiva para o portador de deficiência. O alto rendimento é o principal foco porque, através dele, consegue-se o financiamento, ter ídolos e atrair a base. A Paralimpíada escolar é fundamental. O que a gente não quer é ser como uma Jamaica do olímpico. Não queremos levar 15 medalhas no atletismo e na natação, e nos esquecermos do resto. Há oito anos, se alguém falasse que teríamos um brasileiro campeão paralímpico na esgrima em Londres, a resposta seria: “você está louco!”. Compramos equipamentos, fizemos comodato com os clubes e desenvolvemos talentos, como o Jovane.
Como é lidar com esses atletas?
Todas as famílias de atletas tiveram alguma notícia muito dura: “não vai mais andar”, “(a lesão) é permanente”, “o senhor está cego”. O cara sai do fundo do poço para o alto do pódio. Deixa de ser a preocupação da família e se torna orgulho de um país. Quando Daniel Dias nasceu, a mãe dele, com razão, deve ter dito: “Meu Deus! E agora?”. Há poucos dias, o Daniel esteve em Brasília, com a presidente Dilma (Rousseff), e me impressionou a fila de atletas medalhistas olímpicos para tirar fotos com ele. Reconheceram nele um baita atleta. Essa mudança de perspectiva, que a gente só consegue pelo alto rendimento, é que causa esse efeito social.
Mesmo assim, os recursos que mantêm o orçamento do CPB são 100% de dinheiro público?
Temos R$ 27 milhões da Lei Piva, R$ 11 milhões da Caixa, R$ 5 milhões do governo de São Paulo, R$ 2,2 milhões da prefeitura do Rio e R$ 12 milhões do ministério do Esporte para a preparação de Londres e a aclimatação. Na verdade, o que me espanta é a miopia da iniciativa privada brasileira que ainda não entendeu o potencial como ferrramenta de marketing, comunicação e responsabilidade social. Mais ainda no paralímpico. Em que outro fenômeno no Brasil você alia desempenho e superação, além de ter uma pegada social tão forte?
Talvez, seja pela percepção de que dirigentes esportivos querem se locupletar e se perpetuar no poder...
Tem gente fazendo um grande trabalho, como o Paulo Wanderley, no judô. Mas, sem dúvida, a imagem que o dirigente esportivo tem no Brasil atrapalha. Um dos objetivos que eu tenho, de Poliana, é mudar a visão que a sociedade tem do dirigente esportivo. Posso falar isso de maneira bem tranquila porque nosso estatuto (do CPB) só permite uma reeleição. Tenho uma eleição em março de 2013, pretendo me reeleger, mas, em 2017, eu saio de qualquer jeito. Não acho que a limitação do mandato seja a solução para melhorar a administração esportiva. Precisa é melhorar o nível. Falta um pouco de visão empresarial, eu diria, a muitos dirigentes esportivos do Brasil.
Desde Sydney-2000, o Brasil só tem subido no quadro de medalhas. É possível realizar a meta de chegar em quinto lugar em 2016?
Com a atual estrutura, com o modelo de financiamento que nós temos, o quinto lugar é muito difícil. Se a iniciativa privada não entrar, talvez, seja muito difícil alcançar. O Governo tem limites. Não é difícil para o empresário ver quem trabalha direito e apoiar.

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