CEO do Manchester City e um dos responsáveis pelo fenômeno Barcelona, o espanhol Ferran Soriano afirma que o caminho para a profissionalização passa pelo aumento da receita com os estádios – mas sem afugentar o público tradicional dos jogos
Celso de Campos Jr.
Cerimônia de encerramento antes da final da Copa das Confederações da partida de futebol entre Brasil e Espanha, no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro - Ivan Pacheco
"O modelo inglês está aí. Basta adaptá-lo à realidade local. Na verdade, o grande desafio que eu vejo para os novos estádios brasileiros é a gestão. A gestão do estádio moderno é muito complicada. Não há muitas pessoas no Brasil que sabem fazer"
O executivo espanhol Ferran Soriano tem no currículo passagens por empresas de telecomunicações e entretenimento, mas sua experiência profissional mais marcante foi como vice-presidente de Finanças do Barcelona, entre 2003 e 2008. Foi dele um dos gols mais importantes da história do clube: o processo de reestruturação da dívida que ameaçava derrubou o gigante da Catalunha. Reerguido graças à administração de Soriano e sua turma, o Barça voltou a montar supertimes (e, por consequência, a faturar alto com a paixão de seus torcedores). Hoje, o time de Messi e Neymar é considerado um modelo de sucesso. Desde setembro do ano passado, Soriano, de 46 anos, está à frente do Manchester City, onde sua missão é chegar a um equilíbrio entre os gastos milionários dos últimos anos (com a contratação de craques como Agüero e David Silva) e os investimentos nas categorias de base, considerados por ele a chave para o sucesso da agremiação no futuro. Antes visto como um "novo rico" da modalidade, o City quer ser uma das grandes escolas do futebol mundial (está construindo o que promete ser o melhor centro de treinamento do planeta). Em entrevista ao site de VEJA (em português fluente, um dos cinco idiomas que domina), o autor do livro A bola não entra por acaso (Editora Princípio), que ensina estratégias de gestão empresarial inspiradas no mundo do futebol, explica como os clubes brasileiros podem se beneficiar da herança da Copa do Mundo. Para Soriano, que morou no Brasil no final dos anos 1990 e conhece bem o futebol do país, as receitas obtidas com os estádios são um catalisador para fazer com que os clubes do país atinjam um novo patamar.
Neste ano de Copa das Confederações, o Brasil ganhou seis modernas arenas. Para o ano que vem, na Copa do Mundo, outras seis devem estar prontas. Como aproveitar esse legado? Entendo que essa é a grande oportunidade para o futebol brasileiro dar um enorme salto. Hoje as fontes de receita de um clube de futebol devem ser três: estádio, TV e marketing, que inclui todas as atividades comerciais e de patrocinadores. No Brasil, as receitas de marketing, e um pouco mais tarde as de televisão, já se desenvolveram, acompanhando o crescimento do país. Isso foi feito. O que estava faltando eram os estádios. Essa grande mudança já aconteceu na Inglaterra, na Alemanha, na Espanha, muitas vezes na sequência de um grande evento como um Mundial ou uma Eurocopa. Onde se fez um bom investimento nos estádios, foi possível atrair mais público e essa receita adicional acabou elevando os clubes a um outro nível de riqueza. Mas isso só pode ser obtido vendendo um produto de qualidade e de preço alto. Porque um bom jogo de futebol, com uma boa prestação de serviço na arena, é um espetáculo fantástico. Para as empresas, é muito mais atrativo que a ópera ou o teatro, por exemplo. Nesse ponto, os estádios da Copa serão uma bênção para os clubes brasileiros, ainda que em alguns exista mais demanda do que em outros.
Ferran Soriano, CEO do City, no Etihad Stadium, em Manchester
Quando se fala em preço alto, isso implica em afastar o torcedor comum dos estádios, elitizando o futebol? Pelo contrário. Os torcedores são os donos do espetáculo. Por isso, os estádios devem ser muito segmentados, com uma grande parte de cadeiras muito econômicas, para ter o campo cheio sempre. Ao mesmo tempo, é necessário ter um menor número de cadeiras muito caras, destinadas a pessoas e empresas que estão dispostas a pagar um bom dinheiro, algo como 1.000 dólares por uma cadeira, procurando outra experiência. Essa é a chave: experiências diferentes. Nesse ponto, o melhor exemplo do mundo é a liga inglesa. A ocupação média nos estádios do ano passado foi de 95%. O ambiente nos estádios é fantástico. O espetáculo televisivo é muito melhor, dá para sentir o ambiente – não apenas pelo que acontece no campo, mas pelo espetáculo que os torcedores proporcionam. No Manchester City, vendemos para todos os jogos ingressos muito econômicos, de 20 euros. Disponibilizamos 25% dos ingressos nessa categoria. Na outra ponta, 10% são ingressos realmente caros. O restante é uma graduação. Tirar o torcedor tradicional, portanto, é uma decisão equivocada – não se pode afastá-lo, e sim integrá-lo, oferecendo mais serviços.
Conhecendo as peculiaridades do futebol brasileiro, você acha que isso funcionaria por aqui? Já ouvi falar que no Brasil não funcionaria, que o Brasil é diferente... Nada disso. Não é preciso inventar nada. O modelo inglês está aí. Basta adaptá-lo à realidade local. Na verdade, o grande desafio que eu vejo para os novos estádios brasileiros é a gestão. A gestão do estádio moderno é muito complicada, ela é sofisticada. Não há muitas pessoas no Brasil que sabem fazer. E por isso há empresas que são especializadas em gerenciar um estádio desse tipo. O Grêmio, por exemplo, tem um estádio fantástico, cuja gestão será muito diferente do estádio antigo. Como eu expliquei, é preciso ter espaço para torcida tradicional, espaço para vender espaços caros, saber negociar com outros clubes, enfim, uma série de coisas.
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O Camp Nou: se dependesse de Soriano, o velho templo do Barça daria lugar a outro estádio
Como fazer para vencer a resistência de torcedores que, em nome da tradição, opõem-se à construção de novos estádios? É normal que a torcida fique um pouco com medo, desconfiada, pois um estádio tem história e emoções. Mas penso que quando alguém vai a um estádio novo e vê as facilidades de acesso, o serviço melhor, a limpeza e a visão melhor do gramado, todos logo se acostumam. Há outros meios de conservar a tradição do que manter estádios velhos que proporcionam uma experiência ruim. Um exemplo: o Arsenal fez um estádio novo, do lado do antigo – e conservaram o relógio e a sala do presidente, que é a mesma de 150 anos atrás. Dá para tentar fazer algo simbólico que ajude na questão. Sinceramente, no futebol de hoje, acho que os estádios precisam ser reconstruídos. Muitos lembram o caso do Barcelona, que continua com o Camp Nou, que é antigo. Mas quando eu estava lá, só não fizemos outro estádio porque não tínhamos lugar. Se tivéssemos encontrado uma área disponível pero dali, teríamos construído um novo. É uma necessidade. Um estádio como o Camp Nou, de 1957, não tem estrutura, por exemplo, para receber os itens de segurança necessários hoje em dia. Por isso, acredito ser questão de tempo até o Barcelona construir um novo estádio. Mas vale lembrar que as arenas não são tudo. Outra fonte de receita – no Brasil a mais importante delas – é a televisão. Há uma preocupação de que, com Corinthians e Flamengo distanciando-se cada vez mais do restante em valores recebidos, isso possa criar um abismo.
Acredita ser um problema? Não digo que seja um problema, mas é um desafio. Porque é preciso encontrar um equilíbrio correto entre uma situação que possibilite a competitividade entre os clubes e que ao mesmo tempo respeite e responda à realidade da demanda. Vou citar dois exemplos distintos. No caso espanhol, Real Madrid e Barcelona recebem 140 milhões de euros cada da TV. O clube que recebe menos na liga espanhola fica com 12 milhões de euros – ou seja, a proporção é de 12 para 1. Na Premier League, na próxima temporada, o clube que for campeão receberá 90 milhões de libras, enquanto o último terá direito a 60 milhões de libras, uma relação bem mais próxima, de 1,5 para 1. São dois extremos. Não sei onde está a realidade do Brasil hoje. Mas os clubes brasileiros precisam decidir coletivamente onde eles ficam – se perto da Inglaterra ou da Espanha.
Para isso, seria interessante uma liga forte... É claro. Penso que são dois os grandes desafios dos clubes brasileiros. Um é individual e outro é coletivo. No campo individual, é preciso levar a cabo uma profissionalização completa. Não é razoável que, no século XXI, um negócio tão grande e que move tantas paixões como o futebol tenha gestões tão amadoras. Entendo a dificuldade dos clubes, que, com uma estrutura de sócios e de mandatos curtos, têm uma situação politica instável que dificulta a profissionalização. Mas isso pode ser feito, como mostram os casos do Real e do Barcelona. O outro desafio é justamente o coletivo: criar uma liga forte e unida, que trabalhe para fazer crescer o negócio como um todo. Isso também não é tão fácil. Mas a experiência da Premier League inglesa mostra que, mesmo sendo competidores dentro de campo, se os clubes estiverem unidos fora dele, eles só têm a ganhar, dialogando e buscando juntos seus interesses em comum.
Acredita ser um problema? Não digo que seja um problema, mas é um desafio. Porque é preciso encontrar um equilíbrio correto entre uma situação que possibilite a competitividade entre os clubes e que ao mesmo tempo respeite e responda à realidade da demanda. Vou citar dois exemplos distintos. No caso espanhol, Real Madrid e Barcelona recebem 140 milhões de euros cada da TV. O clube que recebe menos na liga espanhola fica com 12 milhões de euros – ou seja, a proporção é de 12 para 1. Na Premier League, na próxima temporada, o clube que for campeão receberá 90 milhões de libras, enquanto o último terá direito a 60 milhões de libras, uma relação bem mais próxima, de 1,5 para 1. São dois extremos. Não sei onde está a realidade do Brasil hoje. Mas os clubes brasileiros precisam decidir coletivamente onde eles ficam – se perto da Inglaterra ou da Espanha.
Para isso, seria interessante uma liga forte... É claro. Penso que são dois os grandes desafios dos clubes brasileiros. Um é individual e outro é coletivo. No campo individual, é preciso levar a cabo uma profissionalização completa. Não é razoável que, no século XXI, um negócio tão grande e que move tantas paixões como o futebol tenha gestões tão amadoras. Entendo a dificuldade dos clubes, que, com uma estrutura de sócios e de mandatos curtos, têm uma situação politica instável que dificulta a profissionalização. Mas isso pode ser feito, como mostram os casos do Real e do Barcelona. O outro desafio é justamente o coletivo: criar uma liga forte e unida, que trabalhe para fazer crescer o negócio como um todo. Isso também não é tão fácil. Mas a experiência da Premier League inglesa mostra que, mesmo sendo competidores dentro de campo, se os clubes estiverem unidos fora dele, eles só têm a ganhar, dialogando e buscando juntos seus interesses em comum.
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