Por Luiz Gonzaga Beluzzo, Mino Carta e Sérgio Lírio*
PR
A entrevista, em uma antessala do gabinete presidencial, precedeu uma reunião sobre o modelo de concessão de aeroportos a ser adotado pelo governo. Durante a conversa, que durou um pouco mais de uma hora, a presidenta negou que a nomeação de Celso Amorim para a Defesa tenha causado desconforto nas casernas ("Não estamos mais na época das vivandeiras"), afirmou que estádios e aeroportos estarão prontos a tempo para a Copa 2014, expressou-se de forma distante sobre Ricardo Teixeira e garantiu que a Comissão da Verdade será instalada. Presidente Dilma durante visita à estação de teleférico do Morro do Alemão (RJ).
A entrevista será publicada em duas partes. A próxima sairá na edição especial 660, que chega às bancas em São Paulo na sexta-feira 19.
CartaCapital: Falemos um pouco da Copa de 2014. Por que as coisas não estão andando como deveriam?
DR: Gostaria de entender por que isso.
CartaCapital: Por que achamos isso?
DR: Baseados em quê?
CartaCapital: As obras estão lentas, outras foram paralisadas...
DR: Quais?
CartaCapital: Estádios...
DR: Vivemos em uma democracia. Temos o Judiciário, o Legislativo e o Executivo.
CartaCapital: Há outro motivo.
DR: Qual?
CartaCapital: A Fifa é uma organização mafiosa e o nosso líder futebolístico fica muito bem dentro desse panorama.
DR: Quem é o nosso chefe?
CartaCapital: O Ricardo Teixeira.
DR: Do governo ele não é.
CartaCapital: Do futebol. Há quem diga que a senhora não o recebe.
DR: Recebo sim, são relações institucionais. Mas voltemos às obras. É preciso fazer uma diferença: as obras essenciais e aquelas que serão legado. No caso dos estádios, essenciais, tomamos uma providência muito clara. Eles disseram que os estádios serão privados. Dentro dessa visão, eles não estariam na matriz de responsabilidade do governo federal. Mas a União, sabendo do seu poder de financiamento, principalmente de longo prazo, escalou o BNDES para financiar dentro dos valores definidos internacionalmente pela Fifa.
São até 400 milhões de reais. Na última avaliação, das obras de estádios em andamento, dez estavam com zero de problemas, fora as dificuldades normais inerentes a grandes projetos. Uma licença que atrasa aqui, algo que precisa arrumar ali. Dois não tinham iniciado obras ainda e eram problemáticos. Um por problema na licitação, que foi refeita. O outro, por conta de uma discussão entre o Ministério Público Federal, o TCU e a CGU. E havia o estádio em São Paulo, cuja situação é pública e notória, e por isso eu a cito aqui. Fizemos muita pressão para resolver o impasse de uma vez por todas. O governo estadual decidiu então entrar, assim como a prefeitura. Acreditamos que o estádio em São Paulo será o que vai ficar pronto mais em cima da hora, mas vai ficar pronto antes do começo da Copa. Vamos supor, porém, que haja algum que não fique pronto. Temos 12 sedes e, em qualquer hipótese, seria possível realizar a Copa com bem menos do que isso. Não vejo risco nenhum nesse sentido.
CartaCapital: E o resto da infraestrutura? Aeroportos, por exemplo.
DR: No dia dos jogos vai ter feriado e não haverá concorrência com a estrutura logística. Os aeroportos são, ao contrário, essenciais, ainda mais em um país continental. Dos aeroportos com grandes problemas, temos São Paulo e Brasília, os demais têm muito menos problemas. Por isso decidimos fazer concessões privadas em ambos. Estamos perto de bater o martelo na formatação do leilão. O edital sai em dezembro, a contratação em fevereiro ou março. Concederemos 51%, os outros 49% ficam com a Infraero. Antes, explico o que não vamos conceder: o sistema de navegação e o de aproximação, portanto, nenhuma das torres. Nem o sistema público responsável pela gestão dos voos. Vai continuar a ser responsabilidade do Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo), na sua grande maioria, e da Infraero, em menor proporção. Sobra para o setor privado a exploração comercial, a administração do aeroporto e a ampliação.
CartaCapital: Aumentar a capacidade.
DR: Em São Paulo, vamos reforçar Guarulhos, mas o futuro está em Viracopos, pois Cumbica caminha a passos acelerados para o esgotamento de sua capacidade. Ele não tem retroárea suficiente para expandir, a cidade cresceu naquela direção e o custo para desapropriar é elevado, tanto no que se refere a pequenos imóveis unifamiliares quanto a empresas.
Já estudamos várias alternativas, inclusive mudar a configuração da pista, mas é inviável. O que podemos expandir? Os terminais de passageiros. Há ainda o que fazer no pátio e na pista. Fizemos agora uma contratação por emergência de um módulo e de um terminal. Serão entregues até dezembro, pois nossa preocupação não é só a Copa. A taxa de uso de avião cresce 20% ao ano no Brasil, um escândalo.
CartaCapital: São os puxadinhos...
DR: Puxadinhos, meu filho, foi o que segurou a Copa da África do Sul. Não faremos isso. Vamos segurar até a Copa, mas, quando ela chegar, teremos estrutura. Qual é o problema? Guarulhos sustenta o sistema. A licitação terá de levar em conta esse fato. Vamos ter de criar um fundo que pegue parte dessa renda e a distribua. Ela não pode ficar apenas para quem explora o aeroporto. Não é uma licitação trivial, portanto. Em um segundo momento, vamos nos concentrar no Galeão (Rio de Janeiro) e em Confins (Belo Horizonte). O problema dos aeroportos não é da Copa, é algo para depois de amanhã. Asseguro que em 2014 estará tudo prontinho.
CartaCapital: E os legados?
DR: Há 50 obras de legado. A Copa não depende delas para funcionar, é algo a deixar para as cidades. Os prefeitos e governadores têm até dezembro deste ano para ao menos iniciar a fase de licitação. Caso contrário, a obra sai do PAC da Copa e vai para o PAC normal. Por quê? Porque, se não licitar até o fim do ano, elas não ficarão prontas em dezembro de 2013. O governo federal pode fazer várias coisas, mas não pode obrigar ninguém a manter um ritmo se não tiver essas condições prévias.
CartaCapital: Como a senhora imagina o Brasil em 2014?
DR: Farei tudo que estiver ao meu alcance para que o Brasil, em 2014, tire 16 milhões de cidadãos da miséria. Que a nossa classe média tenha na educação um caminho para manter sua condição e que aqueles que estão um pouquinho acima na pirâmide social desses 16 milhões de miseráveis passem para a classe média. Quero consolidar um Brasil de classe média. Além disso, quero ter transformado, ao menos em parte, a área de saúde. Não podemos ter hospitais em quantidade absurda, mas podemos ter uma política de regionalização, como tivemos no caso das universidades. E aí tem outra solução. Não sei se vocês sabem, mas precisamos ter, no governo, obsessões. E a minha próxima obsessão é o tratamento em casa, o home care, levar o atendimento de um hospital às casas das famílias. Por quê? Por que queremos inventar uma coisa sofisticada? Não, porque é mais barato, é melhor para as pessoas e por poder ser feito em escala maior com um custo fixo muito pequeno e com um custo variável interessante. Isso vai descongestionar o tratamento final nos hospitais e diminuir a quantidade de tempo que as pessoas permanecem ocupando um leito.
*Entrevista à revista Carta Capital
Para ler a entrevista na íntegra: Revista Carta Capital
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