sábado, 4 de agosto de 2012

Ditadura do marketing nos Jogos Olímpicos de Londres



'Policiais' monitoram toda propaganda no entorno do torneio; batata frita, só do McDonald's

04 de agosto de 2012
  • LONDRES - Nas sofisticadas salas de estar de Wimbledon, os sócios do lendário clube de tênis estão irritados. Sua associação foi tomada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) e por seus patrocinadores que transformaram os luxuosos restaurantes do local em pontos de venda de fast-food. Do outro lado da cidade, numa das ruas que dá acesso ao estádio de Wembley, uma padaria mantida por uma família portuguesa foi multada em R$ 90 mil por ter usado símbolos olímpicos em sua vitrine.







Dos locais da mais alta aristocracia de Londres às ruas de operários e imigrantes, os superpoderes do COI e de seus patrocinadores são mais que visíveis e temidos. Londres, desde o início do evento, se transformou em uma cidade sitiada pelas empresas que bancam os Jogos e, segundo especialistas em marketing, nunca o controle do uso de marcas foi tão rigoroso como neste ano. A constatação é de que os poderes do COI, que serão repetidos nos Jogos do Rio, em 2016, são totais.
Enquanto atletas competem em ginásios e estádios, a realidade pelas ruas é bem diferente. O COI e a Autoridade Olímpica britânica enviaram centenas de fiscais pelo país para garantir que apenas os patrocinadores oficiais estão usando a marca olímpica. Trezentos monitores, que começam a ser chamados de "polícia religiosa" das multinacionais, têm o direito e o poder de entrar em lojas e restaurantes, aplicando multas em nome dos interesses de Adidas, McDonald's, Coca-Cola e BP.
As regras são claras: empresas que não são patrocinadoras não podem colocar em suas vitrines palavras como "Jogos Olímpicos" ou "Olimpíada". A lista de palavras proibidas também inclui "ouro", "prata", "bronze", "verão" e até "Londres".
No total, 800 lojas de alimentos no perímetro dos locais de competição foram impedidas de vender batatas fritas, uma exigência de um dos patrocinadores: McDonald's.
Jorge Almeida, dono de uma padaria, também sentiu na pele a ação da "polícia". "Vieram me dizer que eu teria de remover os anéis olímpicos de minha vitrine", conta. "Me deram dois dias, ameaçando voltar e aplicar a multa. Troquei por pães, no formato dos aros olímpicos. Mesmo assim, vieram e me disseram que isso também era ilegal. Deram a multa, mas não sei se vou pagá-la." O que Almeida não sabe é que os fiscais que o visitaram tem mandato da Justiça para fazer a ação. O pagamento não é opcional.
Marina Palomba, da agência de publicidade McCann Worldgroup, disse que a lei de marketing aprovada para os Jogos é "a mais draconiana já estabelecida em um evento".
Os atletas também se queixam. Há uma semana, um grupo de esportistas americanos lançaram uma ofensiva para pedir que o COI modificasse suas regras em relação aos patrocinadores. Aqueles que não usam os produtos dos patrocinadores oficiais dos Jogos são proibidos de usar os nomes das empresas que os apoiam.
Proteção. O COI se defende e alega que controla a imagem divulgada justamente para proteger o esporte. Segundo a entidade, é justamente a proteção dos patrocinadores que garantiu a sobrevivência dos Jogos, ameaçados há poucas décadas por falta de interesse comercial. Para a Olimpíada de Londres, a entidade fechou contratos de 1,4 bilhão de libras esterlinas com 11 multinacionais e conseguiu evitar até mesmo a crise financeira internacional. Apenas elas têm o direito de usar os símbolos e as palavras olímpicas.
A relação de troca é simples: pelo dinheiro que dão ao COI, as empresas exigem um verdadeiro monopólio sobre a cidade-sede. Jogadores que não usam tênis Adidas terão de mudar de roupa para subir no pódio. A tenista russa Maria Sharapova é uma das que se queixa das exigências de marcas do COI. "Fomos obrigados a modificar até as sacolas que usamos para levar as raquetes", contou. "Os bonés precisam ser transformados para que os símbolos das empresas não fiquem na testa, e sim de lado. "O controle é mesmo rígido", completou.
A tenista americana Serena Williams é outra que confirma a pressão do COI. "Isso é mesmo algo muito complicado", disse. Em Wimbledon, os tradicionais uniformes brancos dos jogadores foram trocados por uniformes coloridos - uma verdadeira heresia no clube, mas respeitando o interesse do patrocinador. Nas lojas, nada pode ser vendido sem a autorização das empresas. Nas lanchonetes, a mesma situação.
Depois de muita polêmica, os sócios do clube mais tradicional de tênis do mundo conseguiram manter pelo menos uma de suas tradições: a venda de morangos com champanhe. Mas não sem muito protesto por parte das empresas patrocinadoras de bebidas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário