sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Meu caro Adriano



Joaquim Ferreira dos Santos (O Globo a mais)

05/10/2012

Eu vou ser curto e grosso, como aquela jogada que você fez contra a Argentina numa Copa América de não sei quando, em que você matou a bola, deu uma virada e, num voleio curto, estufou o barbante dos hermanos, tudo isso com um espaço de nada. Claro, não tinha nada de grosso, grosso aqui é modo de dizer, como sinônimo de economia de espaço e falta de nhenhenhém. Vou usar o mesmo espaço que você tinha ali naquela área, um quase nada, para te dar o recado de irmão.

Vai pra casa, Adriano.

Já nos basta, boleiros fanáticos, o espetáculo de mau gosto de ver um dos heróis pátrios, o “cebolinha” Ronaldo, ser submetido ao circo midiático de ter a barriga medida em praç pública. Vai pra casa, Adriano, e faz a dublagem daquela música do Ivan Lins. Aquela do começar de novo, ter amanhecido, ter sobrevivido, e por aí afora.

Chegou a hora de trocar o hino do Flamengo por outra música. Alguma coisa mais suave, menos guerreira. Chegou a hora de baixar as armas e inventar outra brincadeira.

Acabou, meu caro, não dá mais para matar os argentinos e nem sequer os zagueiros do Figueirense. A pança pesa, tem a maldita da cachaça e tem todos esses fantasmas que se instalaram no poço mais sombrio da tua memória, e de lá não tem balde que tire.

Sai daí, rápido, meu caro Adriano, e deixa esse papel ridículo de levar esporro do Zinho, de virar personagem de anedota de jornalista e ser exemplo para os pais caretas mostrarem aos filhos como um garoto não deve jogar a vida fora.

Por onde anda aquele iate que você tinha na Itália, onde ficaram os carrões e todas aquelas joias de bicheiro abonado que você carregava no peito? Sai de mansinho para algum canto do mundo com todos esses babilaques otários que te são caros, garoto pobre que precisa demonstrar ter dado a volta por cima. Pega tudo e foge para o ponto mais alto do morro da tua comunidade, se homizia sei lá onde, na Pasargada que escolheres, com todas as cachorras e estupefacientes que lhe forem necessárias à felicidade. Mas, bicho, desiste de jogar bola profissionalmente. Esconde esse espetáculo deprimente das crianças na sala.

Você não chegou a ser um herói nacional, pois naquela Copa de 2006 deu chabu do mesmo jeito que todo o time, mas ganhou um campeonato brasileiro no Flamengo e poderia ficar sempre na memória dos torcedores como um raçudo, forte pra burro, rompedor de ferrolhos. Poupe-nos, portanto, desse espetáculo circense de acompanhar o seu boletim, como se fosse uma criança na escola, para saber quantas faltas lhe carimbaram esta semana na caderneta. Dêse ao respeito, Adriano, e vai viver em paz com suas desgraças pessoais, se lhe for de gosto, ou tentar curá-las, na privacidade dos consultórios.

Você é a história clássica do garoto pobre que venceu na vida pelo próprio esforço, e isso sensibiliza as multidões, que acompanham a novelinha em busca de um bom exemplo para suas vidas. Só que agora você virou o outro espetáculo que a todos também fascina, o lado sádico das multidões, de ver o herói sendo devorado pelos leões dos vícios, da preguiça e da loucura. Estamos fartos de gente como a gente, fraca, cheia de problemas. Lembra daquela música do Cazuza, a de que os nossos heróis morreram de overdose? Pois, então, chega de derrota.

Poupe-nos do mau gosto, toca o barco para a Vila Cruzeiro, e dá um tempo nesse circo de horrores. Deixa o mico para o Ronaldo carregar sozinho.

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