segunda-feira, 19 de março de 2018

Turbinaram o frescobol. Saiba como


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Tradicional esporte carioca ganha competitividade com versão que usa radar e software

A pele curtida pelo sol denuncia onde a administradora de empresas Camila Sayure se sente em casa. De biquíni, short e camiseta, a carioca de 40 anos empunha sua raquete nas areias de Copacabana, na altura da Rua Bolívar, para não deixar a bolinha cair. Mas não apenas calibra a batida e acerta a pontaria. Camila foi além e transformou o frescobol de fim de semana em esporte competitivo. Ao lado de Silvia Oliveira, foi campeã mundial no México, em 2015, e agora é uma das mais engajadas pelo reconhecimento internacional da modalidade “sem vencedores nem vencidos”, como definia Millôr Fernandes (1923-2012) — que não conheceu o speed racket.
Trata-se de uma dobradinha entre um radar de trânsito e um software que determina a velocidade da bolinha. Ou seja: a tecnologia chegou ao frescobol.
— A avaliação do radar é totalmente diferente do que já foi feito até agora, é muito objetiva. O nível de condicionamento vai falar muito alto. As pessoas vão ter que fazer mais do que jogar frescobol — afirma a neta de japoneses, que começou a competir em 2010 e, desde então, já ganhou sete títulos brasileiros.
Foi pensando em eliminar a subjetividade na competição, contabilizar a velocidade da bolinha e pontuar de forma mais justa quem bate mais forte que Adão Chagas e Marco Santana encomendaram um software a um grupo grego, que já trabalhava com uma modalidade semelhante, porém jogada com bola de tênis.
— Queremos profissionalizar o esporte — explica Marco, que customizou o equipamento com a ajuda de um profissional de tecnologia da UFRJ, com o objetivo de valorizar o jogo veloz e no limite.
Que bola foi essa?
Radar calcula a velocidade da bolinha e determina o campeão
Fonte: Equipe Speed Racket
No speed racket, como não poderia deixar de ser, a velocidade é o quesito mais valorizado, mas há outras formas de acumular pontos. A partir de filmagens e testes matemáticos, os criadores da modalidade encontraram fórmulas para valorizar o “jogo bonito” das duplas, que se apresentam por cinco minutos.
— A prioridade é fazer o jogador bater na bola e arriscar Quem ficar burocrático não vai somar ponto suficiente para vencer — explica Adão, que faz uma analogia com o surfe: — Se a ideia fosse não cair, o camarada ia descer a onda só se equilibrando.

BOLINHA A QUASE 90KM/H

Para Antônio Ferreira Filho, presidente da Associação Brasileira de Frescobol (Abraf), o radar veio para ficar, assim como aconteceu no México, Espanha e Itália (aqui no Brasil, o radar também é usado no Espírito Santo). Mesmo que a modalidade não esteja sob seu guarda-chuva, apoia a iniciativa. Ele conta que, antes, as competições de frescobol se resumiam ao estilo “carioquinha”, em que os pares trocavam bolas retas, sempre na melhor mão do par. Os vitoriosos saíam em avaliações subjetivas, que Antônio compara à Sapucaí.
— Dava briga e tudo. Depois passamos também a bater no lado esquerdo e, desde 2000, as competições começaram a ter regras de pontuação. Hoje estamos na terceira geração do frescobol.
Se a exigência é bater forte na bola e em alto nível, Camila dá show. Em torneios-teste, ela chegou a jogar a bolinha a quase 90km/h — o sistema está adaptado para medir e pontuar a partir dos 50km/h, mas esse número pode variar. Tão veloz quanto seu desempenho é sua capacidade de influenciar as pessoas: desde 2016, a sansei ensina frescobol até para japoneses.
Ao lado de sua dupla, ela foi convidada pelo presidente da federação japonesa de frescobol a dar clínicas em Miúra, a 300km de Tóquio. Eles se conheceram em 2015, no Mundial do México, de que o Japão foi convidado a participar.
— Nem sabia que o Japão gostava de frescobol… — conta, rindo.
Um ano depois, ao retornar a Tóquio, foi testemunha da aplicação japonesa:
— Eles deram um upgrade incrível. Durante esse período, mandávamos vídeos, conversávamos sempre. Eles são muito inteligentes, não precisamos repetir o que precisam fazer. Até no inverno, vão para os parques treinar.

UMA RAQUETE PARA O AMOR

Professor e atleta. Antônio dá aulas em Copacabana, onde conheceu sua mulher – Fábio Guimarães / Agência O Globo
No Rio, há 12 locais determinados pela prefeitura para a prática do frescobol, modalidade considerada patrimônio imaterial da cidade. Foi no de Copacabana que o atual número 1 do ranking da Abraf, Antônio José de Moraes, de 38 anos, encontrou profissão e carreira.
— Eu sempre descia a Rocinha até São Conrado e via a galera brincando. Um dia, um rapaz perguntou se eu queria jogar e me deu a raquete. Nunca mais parei — lembra Moraes.
Ex-paraquedista do exército, garçom — inclusive trabalhou num restaurante gerenciado por Camila — e pedreiro, há três anos ele foi chamado para dar aulas na altura da Rua Bolívar.
Seus alunos vão de crianças de 10 anos até seu Dimas, de 80, passando pela atual mulher, Luceli. Ela treinou com ele por dois anos, até que o romance engatou. Agora, ele também namora a versão hi-tech da raquetinha: em abril, ele participará do primeiro torneio de speed racket, ali mesmo, em Copa.

PRETINHO BÁSICO

Para quem saca da bolinha, Luiz Carlos da Silva, o Luiz Negão, de 69 anos, 56 de frescobol, é uma grife. Jogadores top tem, em suas coleções, ao menos uma raquete feita por ele.
— Todo mundo quer ter um pretinho básico — brinca Negão, um artista que faz todas as raquetes, uma a uma, de forma artesanal e com materiais cada vez mais leves e modernos.
Não é difícil entender sua fama. Negão, que ainda hoje joga ao lado de Matheus, de 24 anos, calcula quantos gramas cada raquete terá, de acordo com o freguês. A mais leve tem cerca de 280 gramas — a de Camila Sayure tem 298 gramas.
— Nunca joguei com uma raquete tão leve e com resposta tão precisa – contou Camila, que geralmente usa raquetes entre 325 e 340 gramas. – Quanto mais leve, melhor. Porque fazemos movimentos repetitivos e a leveza pode evitar lesão.
Grife. Luiz Negão faz as raquetes mais conhecidas do frescobol; oficina fica no Jardim Pernambuco – Fábio Guimarães / Agência O Globo
Negão fabrica cerca de 30 exemplares por semana. Ele comenta que, diferentemente das raquetes de tênis, em que é possível dosar sua resposta com as cordas, a de frescobol não tem essa possibilidade. Por isso, faz testes mirabolantes em, sua oficina e depois bota para jogo:
— Faço uma mistura de materiais. Vejo o que cada um prefere e monto a raquete. Tem gente que gosta de raquete mais macia, que a bola bate e não sai tão rápida. Tem gente que prefere mais agilidade. E vou dosando aqui e ali — explica Negão, que começou jogando aos 12 anos, pegando bolinha. — E a cada experimento que fazia, pedia para um jogador testar. Ia botando a raquete na mão de ranqueado e pedia a avaliação.
Ele conta que o negócio começou por acaso, quando consertou a raquete de um amigo. De boca em boca, ganhou a fama de “cirurgião de raquete”, já que recuperava tudo quanto é tipo de equipamento e em qualquer circunstância. Daí a montar um negócio foi natural.
No início, ele usava mais madeira de reflorestamento. Hoje, abusa das fibras de vidro, carbono e a aramida, usada em coletes à prova de bala. Para exportação, principalmente para o Japão, ele usa mais madeira.
Camila, que levou o frescobol para o Japão, viaja com as raquetes de Negão na mala para vender para os novos praticantes. Como a procura aumentou, ela já chegou a ter problemas.
— Em 2015, me pararam com excesso de bagagem. Eu levava umas 50 raquetes. Expliquei que era atleta, mostrei reportagens e me liberaram — lembra, aos risos.
A oficina de Negão está localizada no Jardim Pernambuco, um condomínio de luxo situado no bairro Leblon.
— Morava na favela quando fecharam o bairro. Fiquei quietinho, na minha, e esqueceram de mim.

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